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Os transportes ferroviários na literatura portuguesa_ Abel Botelho

Atente-se na descrição polvilhada de ironia, da autoria de Abel Botelho, acerca da inauguração do trajeto de Caíde até à régua (1879), extraída do livro intitulado, Próspero Fortuna: Veio então a inauguração solene da linha-férrea do Douro, que deita agora, finalmente, de Caíde té à Régua. Era o complemento desse irrisório gesto de assistência do Estado, que tardiamente vinha acudir com os benefícios da viação acelerada a uma regiãodebatendo-se na miséria. Seria, não obstante, umasolenidade rodeada dos mais louçãos primores da pompa oficial, manobrada habilmente pelo videirismo político e de há muito pelos governamentais ruidosamente anunciada.Vinham de Lisboa à Régua, expressamente, os ministros das Obras Públicas e da Justiça. (...)Haveria assim, na estação, reunidos naquele rico dia, os mais grados representantes do funcionalismo de Mesão Frio, Vila Real e Lamego, toda a oficialidade e guarda de honra do 9 de Infantaria, mais duas bandas regimentais e cinco filarmónicas. A estação embandeirada, e à ilharga um grande palanque, de toldo de paninho azul e branco, para as senhoras. À noite, arraial, foguetório, iluminações e recepção nos Paços do Concelho. Com tão aperientes motivos de atração, para admirar não é que, basto tempo antes desse grande dia, já uma ansiada azáfama, uma grossa vibração de jucundo e domingueiro interesse comocionasse o pacifismo secular de todo o Baixo e Alto Douro. Por toda a parte, nessa região alterosa e bravia, das mais soberbonas casa morganáticas té às ínfimas cardenhas, se consertavam carrejolas, se disputavam azémolas, se espanavam buréis, se arejavam sedas.Ferviam instantes para o Porto as encomendas. Tosquiavam a barba os lavradores e as fidalgas punham àmoda os requifes das velhas saias sepultadas nas arcas de pau-santo. E no dia da inauguração, desde muito cedo, começou e seguiu engrossando, engrossando té tornar-se compacta, avassaladora, imensa, a mais heterogénea e pitoresca multidão, ávida e irrequieta, bruta e insolente, alastrando pelos pontos defesos, extravasando do amplo recinto da estação, rompendo a custo pelas balsas, em cachos pendurada pelas encostas, trepada aos muros, cobrindo os telhados, colada aos penedos, coroando os montes,marginando o rio. Abel Botelho, "Próspero Fortuna", in Obras de Abel Botelho, Porto, Lello & Irmão Editores (1979), Vol.II, pp.23-24. Ver também: Descubra a centenária Linha do Douro Leia-se, ainda, outro trecho de Abel Botelho de teor mais revolucionário,retirado da sua obra Amanhã: (…) N’este momento, rasgou áspero o ar o silvo estridente do tramway, que perto passava, na linha de cintura. Tão perto, que demorado reboou pelo recinto o seu estralido tremulante, o som ferralhado e cheio do seu rápido rodar. – E no mesmo instante o Matheus, como iluminado d’uma ideia súbita, erguendo de ímpeto a cabeça e deslaçando os braços: – Ah! Aí têm vocês… Ouvem?... Passou agora o tramway, uma das mais prodigiosas e fecundas aplicações da inventiva humana. – Os caminhos de ferro rasgaram, galgaram as entranhas da terra per toda a parte; como uma teia de aranha colossal, a sua rede de aço liga e abarca o mundo. De continente para continente, de país para país, o sistema ferroviário forma actualmente a mais sábia e bem ordenada engrenagem, com uma correpondência perfeita de horários, analogias de material e as convenientes especializações de serviços. Pois essa vastíssima organização, típica como modelo, d’um rigor e d’uma harmonia tão perfeita apesar da sua extensão imensa, do seu domínio internacional, funciona e exerce-se, – vede bem! – sobranceira e independente ás chamadas formulas politicas; não obedece a nenhum poder central; não tem parlamentos, nem reis, nem padres, nem fidalgos, nem guarda municipal. Governa-se por si… individualmente nas questões regionais, colectivamente nos assuntos de universal interesse. E assim tudo vai perfeitamente! Não obstante faltar-lhe a consagrada tutelação do antigo, semelhante organismo mantem-se, regula e progride d’um modo admirável. É espontâneo e é útil. O seu mecanismo é completo, porque a sua solidariedade é perfeita! Abel Botelho,in Obras de Abel Botelho, "Amanhã," Lello & Irmão Editores (Porto, 1979), in Obras de Abel Botelho, Lello & Irmão Editores (Porto, 1979), Vol.I, pp. 611-612.

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