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Artigo de Carlos Andrade sobre inauguração solene do caminho-de-ferro, em 28 de Outubro de 1856.

 

Aqui não houve Portugal e os passageiros foram largados no caminho

A fazer fé nas Memórias da Marquesa de Rio Maior, "vinha festivamente embandeirado o wagon em que viajava El-Rei D. Pedro V", na inauguração solene do caminho-de-ferro, em 28 de Outubro de 1856.

"O comboio parou um momento na estação, de onde se ergueram girândolas estrondosas de foguetes; vimos El-Rei debruçar-se um instante, e fazer-nos uma cortesia" - relata, num texto recuperado por Margarida Magalhães Ramalho, para o livro Comboios com Histórias.

O pior estava para vir na primeira viagem realizada em Portugal, uma vez que as duas locomotivas a vapor não foram capazes de rebocar todas as carruagens até ao fim, deixando várias pelo caminho: "Algumas, de convidados, nos Olivais. O wagon do Cardeal Patriarca, e do Cabido, ficou em Sacavém; mais um, recheado de dignatários, ficou ao desamparo na Póvoa."

"Esses desprotegidos da sorte, semeados pela linha ao acaso das debilidades da tracção acelerada, só chegaram alta noite a Lisboa, depois de ousadíssimas aventuras que encheram durante meses os soalheiros oficiais" - recorda a Marquesa de Rio Maior - e "até andou gente com archotes pela linha, em procura dos náufragos do Progresso".

Vinte e cinco dias antes, uma comissão fiscalizadora tinha considerado que estavam reunidas as condições necessárias para a circulação, num troço de 36 quilómetros entre Lisboa e o Carregado, "desde que se observassem certas regras, como a que determinava que os comboios não ultrapassassem os trinta quilómetros por hora" - refere José Ribeiro da Silva, no primeiro dos cinco volumes que está a editar sob o título genérico Os Comboios em Portugal.

A cerimónia "decorreu numa manhã radiosa de Sol outonal, embora escaldante", conforme conta o estudioso, acrescentando que o comboio da viagem inaugural (ida e volta) era composto por duas locomotivas (a Portugal e a Coimbra) e 16 carruagens que partiram da estação provisória do Caes dos Soldados (a actual Santa Apolónia é de 1865), nos terrenos engalanados junto ao Palácio Coimbra.

Todavia, os especialistas dividem-se sobre quase tudo, a respeito da jornada: contra quem sustenta que foi minuciosamente organizada, dizem outros que foi uma inauguração "à pressa", porque havia eleições no domingo seguinte; há quem defenda que circulou um segundo comboio com accionistas e convidados de menor estatuto; é afirmada e também veementemente negada a existência da locomotiva com o nome "Portugal", na qual teria rebentado o tubular, causa dos problemas no "comboio- -real", sendo também controversa a questão das unidades de tracção (uma ou duas) e o número de carruagens (de 14 a 17); e conhecem-se versões bem menos rocambolescas para a narrativa das desventuras dos passageiros.

São debates acalorados, trazendo à memória que também "no ano em que o caminho de ferro começaria a ser construído, em 1853, intelectuais como Alexandre Herculano, António Pedro Lopes de Mendonça, Rodrigues de Sampaio, Latino Coelho e Lobo d'Ávila escreveram inúmeros artigos para os jornais da época mantendo acesa a polémica" sobre os benefícios do novo meio de transporte, como recorda José Ribeiro da Silva.

Uma personagem de Eça de Queiroz garantia, em Os Maias, que "o país não estava para essas invenções, o que precisava era de boas estradinhas", mas a tirada mais famosa talvez seja a de Almeida Garrett, nas Viagens na Minha Terra: "Nos caminhos-de-ferro dos barões é que juro não andar. Escusado é a jura, porém. Se as estradas fossem de papel, fá-las-iam, não digo que não. Mas de metal!"

Depois do clamor da primeira viagem, no dia seguinte, o da abertura à exploração pública, não se verificou qualquer incidente, conforme refere Nelson Rodrigues de Oliveira, num artigo publicado na revista da Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro, no ano passado.

Nesse trabalho também consta o registo do primeiro acidente ferroviário de que há notícia, no nosso país: foi uma colisão, junto da estação dos Olivais, em 12 de Agosto de 1858, que causou a morte a um funcionário da companhia e feriu ligeiramente oito passageiros.


Carlos Andrade https://www.dn.pt/arquivo/2006/aqui-nao-houve-portugal-e-os-passageiros-foram-largados-no-caminho-643482.html

 

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